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09/08/2012
Venezuela é boa para o Mercosul, na teoria
 
Na prática, os maiores benefícios para o bloco vão depender dos passos que o governo venezuelano dará a partir de agora. Empresas querem cumprimento de acordos e garantias para investir.
São Paulo – Opiniões políticas à parte, a entrada da Venezuela no Mercosul em tese é vantajosa para o Brasil e os demais membros do bloco, uma vez que o país gira em torno do petróleo e precisa importar todos os tipos de produtos. A comprovação da teoria na prática, porém, vai depender dos passos que o governo venezuelano dará a partir de agora, segundo especialistas em comércio exterior consultados pela ANBA.

"Teoricamente [a adesão da Venezuela] é vantajosa. Se a decisão de compras [externas] estivesse nas mãos do setor privado, [o acordo] estimularia as exportações [brasileiras], mas hoje essa decisão não está nas mãos das empresas, e sim do governo", afirmou o presidente em exercício da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Isso ocorre porque o governo venezuelano exerce forte controle sobre o câmbio e é quem autoriza a liberação de divisas para pagamento de importações.

Outra questão é adaptação do país às regras do Mercosul, como a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), praticada pelos demais sócios (Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina) e característica da união aduaneira; a ratificação dos tratados assinados pelo bloco com outras nações; a adoção de um cronograma de liberalização do comércio, além da definição de prazos para que este processo seja concluído.

"Vai demorar um tempo para os benefícios [do acordo] ocorrerem", afirmou o coordenador do curso de comércio exterior do Programa de Formação Continuada da Fundação Getulio Vargas (PEC-FGV), Evaldo Alves. Segundo ele, as negociações para que a Venezuela se adapte podem demorar de quatro a cinco anos.

O ingresso dos venezuelanos começou em 2006 e a adesão foi ratificada pelos parlamentos do Brasil, Uruguai e Argentina, mas não pelo Legislativo do Paraguai, o que colocou o processo em banho-maria. Com o impeachment relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo, em junho, por um Senado dominado pela oposição, o Paraguai acabou suspenso do bloco, sob justificativa de golpe de estado, o que abriu caminho para a entrada da nação caribenha, confirmada na semana passada.

Castro observa, porém, que o previsto em 2006 foi negociado pela Venezuela e a imprevisibilidade do regime de Hugo Chávez não permite antever que isso agora vai ocorrer de maneira fluida.

Na mesma linha, o CEO da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby, que acompanha de perto o Mercosul desde sua criação, diz que a entrada do país "sem dúvida é vantajosa" para o comércio e os investimentos, mas o governo venezuelano precisa dar garantias. "A Venezuela tem que ter segurança jurídica para garantir os investimentos", declarou.

É unânime entre os especialistas que empresas brasileiras têm interesse não só em exportar, mas em investir na Venezuela, dado o tamanho do mercado e a falta de produção local para supri-lo, mas por enquanto elas estão pisando em ovos. A grande expectativa em relação ao novo membro é a oportunidade de exportação de itens industrializados, que o Brasil tem tido dificuldade para vender em outros mercados.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse em nota, na semana passada, que a adesão "cria perspectivas positivas para acelerar os investimentos brasileiros e o intercâmbio de produtos industrializados e recursos energéticos entre o Brasil e a Venezuela", mas que "o novo sócio tem obrigações a cumprir" e precisa fazer isso para "conquistar a confiança dos investidores e assegurar o futuro do bloco".

Nessa seara, Alaby ressaltou que houve uma mudança na visão estratégica do Mercosul. Se inicialmente o objetivo era apenas ampliar o comércio, o contexto geopolítico atual demanda que ele passe a gerar uma "integração efetiva, energética, de telecomunicações, física e de circulação de pessoas", como ocorreu na Europa.

"O grande desafio é integrar efetivamente a América do Sul e nós já falhamos duas vezes", destacou Alaby, referindo-se à Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), nos anos 60, e à Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), criada na década de 1980.

Nesse caso, é preciso esperar também para ver como o Paraguai vai se posicionar quando retornar ao bloco, após a realização de eleição presidencial em 2013.

O fato é que economicamente a Venezuela dá fôlego ao grupo. Com a entrada do país, o Mercosul passou a representar 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do subcontinente, contra 70% dos quatro sócios originais.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as vendas brasileiras à Venezuela renderam US$ 2,35 bilhões no primeiro semestre, um aumento de 32% sobre o mesmo período do ano passado, e acumulou um superávit de US$ 1,75 bilhão. Essas exportações representam 22% do valor dos embarques do Brasil aos demais sócios do Mercosul nos seis primeiros meses de 2012.

Alves diz, porém, que o comércio com a Venezuela ainda está aquém da "dimensão econômica do país". "A Venezuela sofre da "maldição do petróleo"", declarou. Com as receitas da commodity, a nação deixou de desenvolver outras áreas de economia, como a indústria e mesmo a agropecuária.

Fonte: ANBA
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