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17/05/2012
Ao produtor, um afago do dólar
 
O preço das commodities vem caindo e a crise européia pode acirrar o processo. O produtor brasileiro, no entanto, deve sofrer pouco, já que será compensado pelo dólar mais alto, diz Roberto Rodrigues.
São Paulo - A economia mundial na corda bamba traz incertezas ao agronegócio brasileiro. Os preços das commodities agrícolas já começam a cair, mas podem ser reduzidos ainda mais com um aprofundamento da crise européia. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues lembra, no entanto, que se isso ocorrer, os exportadores brasileiros serão compensados pela alta do dólar. "Há quase uma compensação a isso", afirma. O processo acontece porque sempre que investidores fogem das commodities, se refugiam em ativos da moeda norte-americana, elevando sua cotação.

Em entrevista exclusiva para a ANBA, Roberto Rodrigues, que é coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GV-Agro), falou também sobre a falta de lideranças mundiais e a pouca importância que a sociedade tem dado aos organismos multilaterais, como OMC, FAO e FMI. O mundo, segundo ele, precisa de um "projeto líder", que leve em conta a segurança alimentar e energética sustentável. Às vésperas da Rio+20, ele acredita que o dever de casa feito pelo Brasil no agronegócio, usando produtividade em vez de aumento de área, para elevar sua produção, será reconhecido na conferência do ONU.

Além de ministro do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Rodrigues já foi presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e o primeiro não europeu a ocupar a presidência da Aliança Cooperativista Internacional (ACI). Engenheiro agrônomo, atualmente ele reveza seu tempo entre a coordenação do centro da Fundação Getúlio Vargas e as aulas na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

ANBA – De que forma a atual conjuntura internacional, com os problemas econômicos da Europa, Estados Unidos crescendo pouco, China devendo crescer menos, Oriente Médio com problemas políticos, repercute no agronegócio mundial e brasileiro?

Roberto Rodrigues – Tem duas respostas a essa questão, curiosamente antagônicas e de organismos multilaterais. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) tem insistido em afirmar que os fundamentos para que os preços dos produtos agrícolas sigam acima da média persistem. E quais são esses fundamentos? Primeiro é que a demanda dos países emergentes continua aquecida, a crise não afeta essas regiões, onde a renda per capita da população cresce mais. O segundo é que a oferta mundial não está crescendo na mesma proporção que a demanda mundial, até por questões de clima em algumas regiões do mundo. A América do Sul, por exemplo, perdeu 25 milhões de toneladas de soja neste ano por causa do [fenômeno climático] La Niña. Isso faz com que os estoques mundiais das principais commodities estejam abaixo da média histórica, do ponto de vista de dias de consumo. Além disso, tem a questão da especulação, que ajuda a elevar os preços.

Por outro lado, o FMI (Fundo Monetário Internacional) recentemente fez uma advertência aos países emergentes, dizendo que a crise europeia iria se aprofundar, se estender por um tempo maior, o que acabaria afetando a demanda internacional, inclusive nos emergentes. Isso, somado à questão americana e chinesa, faria com que as commodities, em geral, caíssem de preço. O que significaria, segundo o FMI, uma ameaça aos países emergentes, que precisariam se preparar para isso. De acordo com o estudo, o horizonte seria negativo já no ano que vem, eventualmente ainda no segundo semestre deste ano.

São duas posições diferentes, da FAO e do FMI. O que está acontecendo na prática? Na prática, o que está acontecendo é que os especuladores estão saindo das commodities agrícolas. Resultado: as commodities começaram a cair de preço. Como reflexo apenas disto? Pode ser que sim. Mas pode ser que, de fato, a crise europeia já esteja começando a se refletir nos países emergentes, reduzindo a demanda agrícola dos emergentes. Hoje (terça-feira, 15 de maio) talvez seja o pior dia para conversarmos sobre isso porque o dólar está a R$ 2, há agitação nas bolsas internacionais, as commodities agrícolas despencando porque os especuladores caíram fora.

Mas de qualquer maneira, se a crise europeia efetivamente se aprofundar e se alastrar, afetando a demanda dos países emergentes, seguramente haverá uma redução das exportações agrícolas e das demais commodities e isso derrubará os preços, fazendo com que a renda caia. Há, no caso brasileiro, uma quase compensação a isso por causa do câmbio, da valorização do dólar. Naturalmente cada vez que as commodities caem de valor, o dinheiro especulativo vai buscar outros ativos e o dólar é sempre um refúgio. É quase um vaso comunicante. Então, a remuneração do produtor brasileiro não cai muito. Você acaba ganhando dinheiro lá na frente com o dólar valorizado. Não há como fazer adivinhação, mas pode-se dizer que a tendência de desvalorização das commodities em geral, inclusive agrícolas, só vai se confirmar quando se tiver clareza da profundidade e da extensão da crise europeia e dos seus reflexos entre os emergentes e países desenvolvidos, como é o caso da China.

A situação econômica confortável que o Brasil viveu até agora, apesar da crise mundial, tem relação com o agronegócio?

Há um conforto oferecido pelo agronegócio à economia brasileira na questão do saldo comercial e, portanto, das reservas internacionais. O saldo comercial do agronegócio no ano passado foi duas vezes e meia o saldo comercial do Brasil. Em outras palavras, se não fosse o agronegócio teríamos um déficit comercial no ano passado, retrasado e a vida inteira. Há muitíssimos anos o agronegócio tem garantido um saldo comercial positivo na balança internacional brasileira. Obviamente que isso representa um conforto financeiro, isso tem permitido o crescimento das reservas internacionais em dólar. Sem falar no fato de que o crescimento da produtividade agrícola, a sustentabilidade do modelo de produção, tem oferecido às populações que vêm chegando ao mercado - 30 milhões de brasileiros chegaram à classe C nos últimos dez anos - um produto muito barato em relação ao resto do mundo, e de boa qualidade. Tem o lado econômico, que é positivo, e o lado social. O lado social não é apenas oferta de alimentos a preço muito competitivo, mas também os empregos, hoje 37% dos empregos no Brasil vêm do agronegócio.

Nós temos o maior saldo comercial agrícola do mundo. Com uma queda de preços das commodities, manteríamos isso?

Haveria uma redução. Mas a gente está longe do segundo colocado, a Holanda.

Tem importância esse título de maior saldo comercial agrícola do mundo?

São estatísticas, não têm nenhum peso. O peso é para efeito interno. O grande saldo é uma vantagem para a nação, a sociedade brasileira, mas ser o primeiro, segundo, terceiro colocado, não tem a menor relevância.

O mundo árabe passou pela Primavera Árabe, mudanças de governos em alguns países, e nós exportamos muitas commodities, carne, açúcar, para eles. Essa mudança na região pode ser benéfica do ponto de vista comercial para o Brasil?

Eu acho que uma das questões mais características do mundo contemporâneo é a falta de líderes, em qualquer nação. Quando o [Barack] Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, houve uma grande esperança de que ele pudesse ser um líder mundial, com uma formação democrata, com uma visão mais social. Havia uma grande esperança de que ele se transformasse num líder mundial, dando rumo ao planeta. A crise americana inibiu a liderança dele, até a reeleição dele é uma coisa discutível atualmente, acho que ele vai ganhar a eleição facilmente, mas é discutível. A Europa não tem nenhum líder destacado, nos países asiáticos, Japão, China, Índia e na própria Rússia os problemas internos são tão grandes que eles não estão tendo tempo de olhar para fora. O que você não vê é um líder expressivo como foram [John] Kennedy, Mao Tse Tung, [Adolf] Hitler ou [Joseph] Stalin. Goste ou não deles, foram líderes que deram direção ao planeta ou a parte do planeta. Hoje não há nenhum líder que tem uma mensagem conceitual importante. Por outro lado, para as grandes instituições internacionais como a ONU (Nações Unidas), a FAO, OMC (Organização Mundial do Comércio), ninguém dá bola. Os americanos invadiram o Iraque com a condenação da ONU. E daí? O que aconteceu?

Estão discutindo muito, aqui internamente, a questão da Rio+20, mas quem vai tomar conta disso, que penalidades terão os países que não cumprirem [os acordos que forem feitos]? Então, não tem líder, nem individual, nem institucional, e isso nos deixa em uma situação um pouco perplexa. E tem outro tema: quem poderia imaginar, há um ano, que o [Muamar] Kadafi (ex-líder líbio) seria deposto, quem imaginaria o que está acontecendo no próprio Egito. Quem fez isso? As redes sociais. Quem é o líder? Não há um líder. Isso cria, sob o meu ponto de vista, uma ameaça à democracia. Um vazio na liderança permite o surgimento de um oportunista inteligente, competente, bem falante, que pode imantar o planeta.

Há quem diga, na academia, que essa falta de líderes, se deve à globalização da economia, que deu às finanças o "driver" mundial. E como finanças não têm pátria, ideologia, religião, só se preocupam com mais finanças, nós vamos de crise financeira em crise financeira sem uma solução de médio prazo visível.

Eu tenho insistido muito nas reuniões que participo sobre a necessidade de um projeto mundial que empolgue as nações todas, pobres e ricas, África, Ásia, América, e que permita fixar um rumo pelo qual podemos caminhar daqui para frente. Se não forem lideranças objetivas, poderia ser um projeto líder. A minha tese é de que esse projeto deve ser de segurança alimentar e energética sustentável. Quem vai ser contra isso?

Estou falando tudo isso para tentar olhar para a pergunta que você me fez: essas coisas afetarão o comércio mundial? Eu estou muito mais preocupado com a preservação da democracia e, por consequência, da paz mundial. A inexistência de lideranças, de um rumo para a humanidade, pode nos jogar em um barco mais instável e aí adeus comércio mundial, commodities, adeus tudo, salve-se quem puder. Não acho que a gente esteja caminhando para isso, mas é preciso iniciar um esforço muito grande de caráter global para impedir que isso possa acontecer.

A Rio+20 (Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável) deve trazer alguma decisão importante para o agronegócio, avanço para o agronegócio?

Acho que sim. O Brasil já fez uma lição de casa, uma parte da lição de casa em relação à sustentabilidade rural. Se você olhar os números brasileiros, a área plantada com grãos cresceu 35% em vinte anos, a produção cresceu 175%. Nós temos hoje no Brasil 53 milhões de hectares plantados com grãos, se nós tivéssemos a mesma produtividade de 20 anos atrás, precisaríamos de mais 52 milhões de hectares para produzir o que nós produzimos. Então a nossa tecnologia em grãos nos permitiu economizar 52 milhões de hectares, que continuaram aí com florestas, com algum outro tipo de ambiente. A cana de açúcar tem oito milhões hectares plantados no Brasil, se tivéssemos a produtividade de quando o Proálcool começou [na década de 70], precisaríamos de mais seis milhões de hectares. Então, só de cana e grãos foram economizados 60 milhões de hectares. Além disso, o etanol emite 11% do CO2 que a gasolina emite. O Brasil tem uma lição de casa pronta em relação à sustentabilidade. É evidente que a Rio+20, no que diz respeito ao documento formal a ser assinado entre os países, deverá reconhecer isso porque é uma realidade, todo mundo sabe.

Por outro lado, haverá um conjunto enorme de reuniões paralelas, muitas delas movidas por interesses até de caráter comercial, que em alguns casos procurarão jogar contra o Brasil. No ano 2000 o Brasil exportou US$ 21 bilhões no agronegócio e, ano passado, US$ 94 bilhões. É evidente que alguém perdeu espaço e não está contente com isso, vai querer retomar isso. Então todo tipo de denúncia vazia em relação ao desmatamento da Amazônia, trabalho escravo, essas coisas, haverá, e alguns casos com razão porque as pessoas vão colocar a luz na exceção e não no conjunto, que é muito maior. O Brasil tem 64% do seu território florestal, tem só 8% do território agricultado. Os troféus que o Brasil tem a exibir na Rio+20 são muito mais vigorosos, brilhantes, do que os defeitos. E temos defeitos.

A Conferência vai colocar em evidência essas iniciativas do Brasil?

Acho que num nível de governo sim. No nível paralelo, que é onde tem mais barulho, onde a comunicação corre mais solta, haverá sempre uma tendência a minimizar as grandes vantagens de agronegócio brasileiro.

Na discussão do nosso Código Florestal houve participação estrangeira, os demais países estão olhando para essa questão?

O que tem é participação muito forte das ONGs ambientalistas. Tem gente que acha que elas estão seguindo interesses comerciais de outros países. Eu não acho. Acho que isso é um fantasma que não existe. Eventualmente o resultado pode servir à concorrência. Mas acho que nenhum país concorrente, segmento lá de fora, usaria mão do gato para fazer isso. Os ambientalistas acreditam nisso (nos seus pleitos), estão usando mão das suas posições para colocar isso, não acho que existe interferência de fora na questão do Código Florestal. Na Rio +20 sim, acredito que vai ter uma série de posturas, interesse comercial. Mas a vida é assim.

É perceptível nos últimos anos a profissionalização de vários segmentos do agronegócio brasileiro. Muitos setores partiram de uma média agricultura, de empresas mais familiares, para grandes empresas, mais profissionais, que trabalham com visão internacional. No setor de cana isso aconteceu e parece que nos lácteos também está começando. Esse é o caminho do País e isso pode inviabilizar pequena agricultura?

Um dado de realidade em qualquer sociedade econômica é a necessidade de competir com eficiência tecnológica e de gestão. A agricultura brasileira está passando por esse processo. Tecnologia já existia, estava aí nos órgãos de pesquisa e, quando a economia se estabilizou, o dinheiro não era mais do overnight, vinha de produzir competentemente, o Brasil deu saltos tecnológicos e aumentou a produtividade.

Gestão não tinha porque com a inflação a 80% ao mês, quem consegue fazer gestão? A eficiência gerencial não era uma coisa importante até 1994, quando veio o Plano Real. Depois disso, o Brasil se movimentou na direção de mecanismos de gestão, lideranças surgiram, projetos surgiram, e hoje há uma crescente movimentação na direção da gestão, que se soma à tecnologia para aumentar a competitividade.

E gestão não é comercial apenas, mas é fiscal, financeira, saber escolher a taxa de juros adequada para os seus empréstimos, é de recursos humanos, é ambiental. Uma colhedeira pode custar R$ 1 milhão, por exemplo. Tem que ter dinheiro para administrar isso. Mas os recursos humanos não são adequados. Houve um salto sem preparo. Falta gente.

Mas há um processo em andamento de melhoramento tecnológico e de gestão. Portanto há um processo de concentração. As famílias que não aguentam estão caindo fora e estão vindo empresas de gestão muito mais organizada.

Aí vem a questão da pequena propriedade. Uma realidade da economia globalizada é a redução de lucro por unidade produzida, de modo que o pequeno produtor não consegue ter uma margem suficiente para tocar a sua vida e aí ele vende ou ele se junta a outros. A tendência é de concentração, em que o volume de produção compensa a baixa margem unitária. Então o que está crescendo no Brasil e no mundo inteiro é o cooperativismo, o que permite a um grupo de pequenos transformar-se num grande e competir em igualdade de condições.

As cooperativas brasileiras, inclusive, hoje estão muito bem geridas, fizeram investimentos vigorosos e maciços em formação de gente e gestão, têm dado demonstrações espetaculares de progresso, inclusive na agregação de valor, saltando da produção agrícola, industrializando, embalando, distribuindo. Você citou os lácteos, é um dos setores, mas não são só os lácteos. Tem o setor de carne com mecanismos de parceria (de cooperativas) em frango e suínos com companhias internacionais ou nacionais, BR Foods e outras. São mecanismos usados por cooperativas, que cresceram e viraram gigantes do mercado, oferecendo aos associados outras margens que não sejam as margens agrícolas, mas também margens na indústria, comércio, distribuição. Vão mordendo pedacinhos a mais, que permitem, afinal, uma renda ao pequeno produtor. A definição clássica de cooperativismo é de que é uma doutrina que visa corrigir o social através do econômico, melhorar a renda do cooperado para que ele tenha condições de acessar a escala social.

A agricultura brasileira está crescendo e um dos seus problemas é o fornecimento de fertilizantes. A Tunísia, grande produtor da área, falou em privatizações no setor de fosfatos. Seria um caminho viável para o Brasil fazer compras lá fora neste setor ou o caminho que o País está adotando de procurar alternativas, inclusive produzindo fertilizantes orgânicos, vai resolver o problema? Estamos no caminho certo para resolver a questão dos fertilizantes?

Hoje 73% dos fertilizantes que consumimos são importado. E com uma questão pior: o que temos para abrir de terra é a pior terra, a terra boa já foi aberta. O Cerrado é muito pobre, muito ruim (o solo), precisa de muito mais fertilizantes, de modo que esse é um gargalo que também constrange bastante o crescimento da produtividade agrícola brasileira. E aí há um esforço muito grande para reduzir [a dependência de importados], com um leque de possibilidades. Um deles é o crescimento de companhias brasileiras, como a própria Vale, comprando minas e abrindo novas explorações minerais fora e dentro do Brasil. Por outro lado, as companhias misturadoras estão fazendo convênios com grandes produtores internacionais de fosfato. Então, há um esforço de suprimento que tem permitido o Brasil crescer muito. Todos os desenhos em relação ao futuro mostram que essa dependência, em dez anos, vai cair para 45%, 50%. Mas também há o que você falou, um esforço tecnológico para trabalhar com adubo orgânico, buscar alternativas de sinergias na área de fertilizantes, esforço tecnológico na rotação gramínea-leguminosa.

Há uma pesquisa muito grande para melhorar essa condição. E finalmente tem um tema agronômico: você, quando vai para o Cerrado, fraco, não produz nada nos primeiros anos, mas depois de cinco, dez, quinze anos, a terra muda. Hoje, com o plantio direto, agricultura de precisão, integração lavoura-pecuária, você vai à área de Cerrado pobre dez anos atrás e tem minhoca lá, literalmente. Ou seja, também a tecnologia que vai sendo utilizada, tem mudado o perfil de demanda. A redução da dependência externa se dará tanto pela maior oferta interna quanto pela redução da demanda por área e pelas novas tecnologias, que vão criando outros perfis de produção.
Fonte: ANBA
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