COMÉRCIO EXTERIOR

Boletim Comércio Exterior n° 24 - 2ª Quinzena. Publicado em: 20/12/2022

NOVO MARCO CAMBIAL

Principais alterações

 

1. INTRODUÇÃO

Esta matéria aborda as principais alterações da Lei n° 14.286, publicada em 2021, que insere modernização e simplificação nas operações e negócios com o exterior, uma conquista significativa para a economia brasileira, o novo marco cambial.

O nosso regime de câmbio atualmente é flutuante, ou seja, varia em consonância com a oscilação do mercado. A nova legislação publicada visa à adequação aos padrões internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Assim, traz benefícios nas importações e exportações, que fazem parte do pilar da economia.

Com o advento da Lei n° 14.286/2021, tem-se a retirada de restrições, o que permite maior presença no mercado internacional, simplificação de processos, competitividade e melhoria no controle da inflação.

1.1. Vigência e revogações

A Lei n° 14.286/2021 entra em vigor após decorrido 1 ano de sua publicação oficial, ou seja, a partir de 30.12.2022.

Foram revogados legislações e dispositivos com mais de 100 anos que estavam em vigência e continham restrições quanto ao risco da época em que foram implementadas.

Com esse marco legal, tem-se normas mais compactas e evidentes, sem tramitação no Congresso e a retirada de restrições, com reflexos imediatos na redução de riscos e menor burocracia.

1.2. Normas infralegais

As normas infralegais são normas secundárias que não têm o poder de criar direitos ou impor obrigações e não podem afrontar ou contradizer as normas primárias, sob pena de nulidade.

Além da publicação da Lei n° 14286/2021, serão publicadas normas secundárias, como é o caso do Regulamento que será editado pelo Banco Central do Brasil, além das legislações e diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Segue Quadro das principais normas revogadas:

Lei n° 156, de 27 de novembro de 1947

Lei n° 1.807, de 7 de janeiro de 1953

Lei n° 1.383, de 13 de junho de 1951

Lei n° 2.145, de 29 de dezembro de 1953

Lei n° 4.390, de 29 de agosto de 1964

Lei n° 5.331, de 11 de outubro de 1967

Lei n° 2.698, de 27 de dezembro de 1955

Lei n° 9.813, de 23 de agosto de 1999

Lei n° 13.017, de 21 de julho de 2014

Decreto-Lei n° 1.201, de 8 de abril de 1939

Decreto-Lei n° 9.025, de 27 de fevereiro de 1946

Decreto-Lei n° 9.863, de 13 de setembro de 1946

Decreto-Lei n° 9.602, de 16 de agosto de 1946

Decreto-Lei n° 857, de 11 de setembro de 1969

Medida Provisória n° 2.224, de 4 de setembro de 2001

Dispositivos das Leis n° 4.182, de 13 de novembro de 1920; n° 3.244, de 14 de agosto de 1957; n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964; n° 5.409, de 9 de abril de 1968; n° 6.099, de 12 de setembro de 1974; n° 7.738, de 9 de março de 1989; n° 8.021, de 12 de abril de 1990; n° 8.880, de 27 de maio de 1994; n° 9.069, de 29 de junho de 1995; n° 9.529, de 10 de dezembro de 1997; n° 11.803, de 5 de novembro de 2008; n° 12.865, de 9 de outubro de 2013; n° 13.292, de 31 de maio de 2016; e 13.506, de 13 de novembro de 2017. Além disso, dispositivos dos Decretos-Leis n° 2.440, de 23 de julho de 1940; n° 1.060, de 21 de outubro de 1969; n° 1.986, de 28 de dezembro de 1982; e n° 2.285, de 23 de julho de 1986.

1.3. Conceitos

Para fins das disposições trazidas nesta matéria, a conceituação para o residente se torna imprescindível.

O residente é a pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no Brasil. Já o não residente é a pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no exterior.

2. Principais alterações

As operações no mercado de câmbio, nos termos do artigo 2° da referida Lei, podem ser realizadas livremente, sem limitação de valor, observadas as normas infralegais publicadas pelos respectivos órgãos.

A instituição autorizada a operar no mercado de câmbio adotará medidas e controles para prevenir operações no mercado de câmbio com a prática de atos ilícitos, inclusive lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo, nos termos da Lei n° 9.613/98.

2.1. Circulação de reais no exterior

O artigo 6° da Lei n° 14.286/2021 estabelece que os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio poderão dar cumprimento a ordens de pagamento em reais recebidas ou enviadas para o exterior.

Essas operações serão realizadas por meio da utilização de contas em reais mantidas nos bancos, de titularidade de instituições domiciliadas ou com sede no exterior e que estejam sujeitas à regulação e à supervisão financeira em seu país de origem.

O cancelamento ou a baixa na posição de câmbio referente a contratos de compra de moeda estrangeira que amparem adiantamentos em reais, o vendedor de moeda estrangeira está sujeito ao recolhimento de encargo financeiro não superior a 100% do valor do adiantamento.

Na compra realizada pela instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, é responsável pelo recolhimento do encargo financeiro ao Banco Central.

Caberá ao Conselho Monetário Nacional a regulamentação que disporá quanto ao cálculo do encargo financeiro e as hipóteses de dispensa do recolhimento.

No que tange aos capitais brasileiros e estrangeiros, temos as seguintes conceituações estabelecidas no artigo 8° da Lei n° 14.286/2021:

a.) capitais brasileiros no exterior: valores, bens, direitos e ativos de qualquer natureza detidos fora do território nacional por residentes;

b.) capitais estrangeiros no país: valores, bens, direitos e os ativos de qualquer natureza detidos no território nacional por não residentes.

A instituição Banco Central do Brasil é autorizada a dispor sobre as hipóteses que considerada a natureza das operações, fazendo a equiparação dos capitais da seguinte forma: de residentes, mantidos no território nacional em favor de não residentes, serão equiparados a capitais brasileiros no exterior. Quanto aos capitais de não residentes, mantidos no exterior em favor de residentes, serão equiparados a capitais estrangeiros no país.

Ao capital estrangeiro no país será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido para o capital nacional em igualdade de condições.

A regulamentação, o estabelecimento de procedimentos para as remessas e a prestação de informações são competências atribuídas ao Banco Central do Brasil, inclusive quanto à sujeição de penalidades aos infratores.

2.2. Pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis em território nacional

O pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis em território nacional será admitido nas seguintes situações, em conformidade com o artigo 13, da Lei n° 14.286/2021:

a.) nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias;

b.) nas obrigações cujo credor ou devedor seja não residente, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, exceto nos contratos de locação de imóveis situados no território nacional;

c.) nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre residentes, com base em captação de recursos provenientes do exterior;

Com relação aos itens anteriores, aplica-se inclusive na cessão, na transferência, na delegação, na assunção ou na modificação das obrigações se as partes envolvidas forem residentes:

a.) na compra e venda de moeda estrangeira;

b.) a exportação indireta, nos termos da Lei n° 9.529/97;

c.) nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura;

d.) nas situações previstas na regulamentação editada pelo Conselho Monetário Nacional, quando a estipulação em moeda estrangeira puder mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio;

e.) em outras situações previstas na legislação.

Caso a estipulação de pagamento não esteja em conformidade com as disposições do artigo 13 da Lei n° 14.286/2021, será nula de pleno direito.

2.3. Tratamento similar entre contas de residentes e não residentes no Brasil

Nos termos do artigo 5, § 4° da Lei n° 14.286/2021, as contas bancárias que estão em reais, de titularidade de não residentes, terão o mesmo tratamento das contas em reais de titularidade de residentes, observados os requisitos e procedimentos estabelecidos pelo Banco Central do Brasil.

Nesses termos, estão incluídas também as ordens de pagamento em reais recebidas do exterior ou enviadas para o exterior, por meio de contas bancárias em reais e mantidas em bancos, de titularidade de instituições domiciliadas ou com sede no exterior e que estejam sujeitas à regulação e supervisão financeira em seu país de origem.

2.4. Compensação privada entre residentes e não residentes

Com a revogação do Decreto-Lei n° 9.025/46, fica autorizada a realização de compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes, nos termos do artigo 12, da Lei n° 14.286/2021, desde que observadas as hipóteses previstas em regulamento do Banco Central do Brasil, além de obrigações tributárias que poderão ser exigidas dos residentes.

A compensação privada entre contas até então é vedada, segundo orientações do Banco Central do Brasil. Com o Marco Cambial, a compensação de créditos e débitos internacionais passa a valer, o que traz otimismo quanto à adesão da moeda Real no mercado internacional, possibilitando o impulsionamento das operações de compensação privada.

2.5. Classificação de operações de câmbio

A responsabilidade pela classificação da finalidade da operação no mercado de câmbio passa ser do cliente, na forma prevista no regulamento que será editado pelo Banco Central do Brasil.

Nos termos do artigo 23, da Lei n° 4.131/62, revogado a partir da Lei n° 14.286/2021, a responsabilidade por classificar as operações de câmbio era das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar, que previa inclusive sanções administrativas para a incorreta classificação, conforme Circular n° 3.690/2013 do Bacen. Contudo, as instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio prestarão orientação e suporte técnico, inclusive por meio virtual para os clientes que necessitarem de apoio para a correta classificação de finalidade da operação.

2.6. Documentos para fins das instituições em operações cambiais

Nos termos do artigo 27 da Lei n° 14.286/2021, é vedado às instituições autorizadas operar no mercado de câmbio a exigência de documentos, dados ou certidões de seus clientes, que estiverem disponíveis em suas bases de dados ou de âmbito públicas e privadas de acesso amplo.

Nesse caso, é facultado ao cliente a apresentação deles, proporcionando menor burocracia aos cidadãos e maior atratividade a novos investidores.

2.7. Investimento de recursos captados no Brasil, oriundos do exterior

As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB, em consonância com as atividades permitidas e legislação em vigor, poderão alocar, investir e destinar para operação de crédito e de financiamento no país e no exterior os recursos captados no país e no exterior, em conformidade com a regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Essa adequação técnica na legislação cambial, conforme artigo 15 da Lei n° 14.286/2021, proporciona uma mensagem atrativa de um país mais liberal para atrair investimentos, fortalecendo a economia e ter uma abertura de oportunidades, inclusive empréstimos em solo estrangeiro para brasileiros ou importadores de produtos brasileiros.

2.8. Valores declaratórios para fins da moeda estrangeira

O artigo 14 da Lei n° 14.286/2021 dispõe sobre os valores de ingresso e saída do país de moeda nacional e estrangeira.

Essas operações de ingresso e saída devem ser realizadas exclusivamente por meio de instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, à qual caberá a identificação do cliente e do destinatário ou do remetente, excetuando o porte dos valores, em espécie, observados os seguintes limites:

a.) até US$ 10 mil dólares dos EUA ou seu equivalente em outras moedas; e

b.) cuja entrada ou saída no Brasil seja comprovada na forma do regulamento que será publicado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.

Nesse sentido, devido às alterações anteriores, foram realizadas as adequações de algumas obrigações principais e acessórias, como e-DMOV e e-DBV por meio da IN RFB 2.117/2022, nas seguintes Instruções Normativas RFB:

a.) n° 1.082/2010: a IN dispõe a respeito da Declaração Eletrônica de Movimentação Física Internacional de Valores (e-DMOV) e define os procedimentos quanto às prestações de informações no sistema.

Essa declaração contempla o controle aduaneiro das operações de entrada e saída de ouro ativo financeiro ou instrumento cambial; e de entrada e saída de moeda em espécie em montante superior a US$ 10 mil dólares dos EUA ou seu equivalente em outra moeda.

Nos termos do artigo 3°, para fins de definições, foram incluídas aos incisos as indicações com relação à moeda em espécie, além de pagamentos em cheques e cheques de viagem.

b.) n° 1.059/2010: a IN dispõe sobre os procedimentos de controle aduaneiro e tratamento tributário aplicáveis aos bens de viajante.

Conforme o artigo 6°, inciso X, o viajante procedente do exterior deverá se dirigir ao canal “bens a declarar”, quando trouxer valores em espécie em montante superior a US$ 10 mil dólares dos EUA ou seu equivalente em outra moeda.

c.) n° 1.385/2013: dispõe sobre a Declaração Eletrônica de Bens de Viajante (e-DBV), sobre o despacho aduaneiro de bagagem acompanhada, sobre o porte de valores.

Altera o artigo 7° para dispor a respeito do viajante que ingressar no Brasil ou dele sair com recursos em espécie, em moeda nacional ou estrangeira, em montante superior a US$ 10 mil dólares dos EUA ou o equivalente em outra moeda, devendo declará-los para a Receita Federal do Brasil mediante registro da e-DBV.

Dispensa a apresentação de documento comprobatório de aquisição da moeda estrangeira em banco ou instituição autorizada a operar câmbio no Brasil, em valor igual ou superior ao declarado.

3. OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO

Para fins da operação de importação, o Marco Cambial influencia de forma direta os casos em que a importação se processa na condição de financiamento. Em regra, é comum o cenário em que a carga importada é disponibilizada fisicamente ao importador brasileiro, sem haver o imediato pagamento ao fornecedor estrangeiro; nesse caso, a operação é caracterizada como financiamento em virtude do prazo para pagamento. Com a mudança, a condição da entrada física da mercadoria para início dos pagamentos é dispensada.

A novidade torna isso possível em virtude da dispensa do câmbio na operação, facilitando, assim, as operações de industrialização por encomenda internacional, cujos insumos e produto acabados tenham origem estrangeira, por exemplo.

Já para as exportações, a mudança estimula de forma direta a entrada de novos intervenientes, na condição de pequeno e médio portes, tendo em vista a possibilidade da movimentação de recursos mantidos no exterior para fins de cumprimento de obrigações fora do país, além da oferta de crédito para importadores estrangeiros.

4. REFLEXOS TRIBUTÁRIOS DAS ALTERAÇÕES COM RELAÇÃO AO IOF

Sobre a tributação nas operações cambiais, o Decreto n° 6.306/2007 (Regulamento do IOF) dispõe em seu artigo 11 que toda operação de câmbio estará sujeita ao fato gerador do imposto por parte da instituição financeira autorizada a atuar no mercado de câmbio. Com as mudanças iniciais propostas pelo Marco Cambial, o Regulamento do IOF não sofreu alterações até o momento.

Normalmente, as operações de crédito promovidas entre pessoas físicas são amparadas pela não incidência de IOF para as operações de câmbio pessoas físicas de que trata o artigo 19 da Lei n° 14.286/2021, estima-se que o mesmo tratamento da não incidência. Para o referido trâmite, a regulamentação é estimada para publicação futura com alteração do Regulamento do IOF.

De forma ampla, visualiza-se uma redução significativa da incidência de IOF nas operações de câmbio, o que torna a tradicional preocupação com a variação cambial em algo opcional, além do estreitamento da paridade entre o Real e o Dólar.

Autor: Equipe Técnica Econet Editora

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